domingo, 6 de junho de 2021

TOPIC MAN - BOLSA

Um lúgubre e misterioso entardecer se abate sobre a terra árida, estéril e pedregosa chamada Vhan Van. A luz que anteriormente não vinha de ponto fixo algum do firmamento, agora se vai para lugar nenhum e deixa seu rastro púrpura até onde a vista alcança. Um poente sem direção e sem forma em um céu salpicado de estrelas curiosas e astros desconhecidos. 

O próprio tempo parece alternar entre congelar ou avançar muito rapidamente. Como um prisioneiro arrastado por grilhões resistindo no caminho para sua iminente execução. Não é possível contar segundos, minutos, nem horas. Este conceito não pertence a este lugar. Tudo é agora, depois e antes simultaneamente.

O silêncio quase que artificial deste sertão sem tempo é martelado ocasionalmente por baques graves, ritmados e firmes seguidos de um arrastar arenoso e rude. Na direção do som que atravessa as planícies, a visão de Topic Man seguindo seu caminho. 

No entanto a silhueta do filho do triângulo tem uma gritante diferença. Em suas costas Topic Man carrega uma estranha criatura. A gigantesca e desproporcional forma feminina sobre seus ombros se curva por sobre sua vista com cabelos lisos e desgrenhados. A criatura está trajada em uma estranha indumentária: Um curto vestido justo e saltos altos com pontas finas. Como se ela viesse de um tempo ou dimensão composta somente de alucinações e êxtase. A figura exala um entorpecente odor alcóolico degradado misturado a um aroma adocicado de frutas silvestres. Ela aponta para a planície infinita e mesmo de longe pode-se ouvir sua ranhenta voz que parece atravessar uma caverna de granito inteira até sair por (talvez) seus lábios. Assim ela diz:

- Hã


A figura nos ombros de Topic Man parece não ter peso algum para o viajante que a carrega. No entanto há um detalhe que poderia passar despercebido para o observador menos atento: a bolsa. Topic Man tem em uma de suas mãos uma pequena e estranha bolsa angular com uma curta alça e um fecho dourado. Há dois curiosos símbolos em forma de brasão na bolsa: um triângulo invertido de dois lados e uma espécie de porta com uma trava horizontal atravessada. 

O braço do homem que carrega a minúscula bolsa aparenta estar intensamente flexionado. Seus músculos e tendões pulsam como se carregassem toda densidade de um buraco negro ou todo um arsenal dentro do pequeno objeto. Mesmo com o grande esforço, Topic Man se sente confortável com o visual da bolsa, apesar de levemente intrigado com seu peso descomunal.  

A figura feminina sem rosto parece não dar a mínima atenção para quem a carrega. Seu objetivo é adiante porém ainda desconhecido. Ambos não se recordam de como essa estranha e parasítica relação se iniciou o que não os impede de continuar em seu caminho tortuoso pelas planícies. 

Enquanto é ignorado por sua passageira, Topic Man se sente extremamente frustrado pela mesma não sentir atração física alguma por ele. Resta ao bárbaro continuar fazendo seu papel de montaria ouvindo o resmungo catarrento e distorcido da amazona que o cavalga.

- Hã

sábado, 22 de maio de 2021

TOPIC MAN - TRIÂNGULO PRETO

O vento uiva incessantemente e as areias ásperas que voam como um bando de zangões prateados rasgam impiedosamente qualquer outro tipo de superfície menos ríspida que o silício. A luz difusa e onipresente não tem origem e nenhum sol, astro ou estrela aparente. A luz simplesmente existe, ilumina sem foco e cozinha tudo que toca lenta e pacientemente como uma caldeira em fogo baixo. Não há criatura viva em cenário de tamanha aridez e hostilidade. 

 

Bem-vindos ao deserto de Mwo’nu.

 

Em uma colina distante formada por dunas em constante degradação um curioso objeto preto pode ser visto brilhando em contraste com os tons ocres do Mwo’nu abaixo. Um zumbido dissonante em frequência completamente distinta dos sons abrutalhados dos ventos que corroem praticamente qualquer comprimento de onda sonora pode ser ouvido da direção da maldita colina. 

O misterioso objeto que se sustenta flutuando impassível à própria gravidade e às intempéries múltiplas de tal cenário, é envolto em uma pequena aura composta de algo que poderia ser descrito somente como uma anti-luz – descrita por um tipo inteiramente desconhecido de espectro fotométrico que parece anular não só a luz inclemente do deserto mas também toda e qualquer outra reflexão ao seu redor. Sobre a colina que parece temer a presença que se encontra a alguns centímetros de seu cume, nota-se a forma do objeto que desafia não só as areias mas toda a realidade a seu redor: um triângulo. E, por falta de palavra adequada em qualquer língua conhecida por humanos, feras ou deidades para descrever sua “anti-luz”, resta a nós chama-lo de “triângulo preto”. 


Enquanto a anti-luz do “triângulo preto’ parece sugar todo o restante de vida que ainda há no Mwo’nu com sua sinfonia estática e penetrante, pequenas falhas em todo o panorama ao redor se manifestam. Como se, até onde a vista alcança, por frações de segundo, tudo falhasse e desaparecesse. Inicia-se um balé de pequenas piscadas de olhos do tecido da realidade causado por algum tipo de interferência vinda diretamente do triângulo. 

Em pouco tempo o pequeno zumbido oriundo da colina subjuga o rosnar selvagem e até então indomável do vento e reina soberano sobre toda frequência sonora emitida no lugar. A anti-luz do triângulo se intensifica e as falhas na realidade tornam-se mais longas e menos espaçadas, como interrupções no próprio fluxo existencial do deserto. A sensação de colapso de realidade é iminente até que todo som se cala e todo o caos de vento se aquieta no Mwo’nu. 

De dentro do triângulo uma silhueta em forma humana e coloração contrastante com a anti-luz emerge lentamente caminhando de forma despreocupada em movimentos casuais: Aos poucos um homem alto, de cabelos longos e com vestes rústicas caminha para fora do triângulo preto e toca as areias do deserto com seus pés descalços e cascudos. O homem, vestido somente com uma capa esfarrapada e uma tanga com um volume desproporcional carrega nas costas uma grande espada de batalha embainhada. Em suas mãos e pés o homem porta braceletes com velhas correntes partidas que aparentam provenientes de algum cárcere há muito sofrido. 



Eis o Topic Man.


Vereditos incendiários